Recebi da Editora Contexto o livro Os Ingleses, que está sendo lançado no Brasil neste mês. A obra foi escrita por um casal de historiadores, o inglês Peter Burke e Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, brasileira residente na Inglaterra há mais de 25 anos. Como os dois são acadêmicos de longa data com currículos brilhantes, fiquei me perguntando se o livro seria mais uma obra (chata) acadêmica. Ledo engano!
O livro mescla de forma muito interessante a experiência dos autores – que nos brindam vez por outra com “causos” vividos durante os muitos anos que circulam entre as culturas brasileira e britânica – com a bagagem intelectual acumulada na vida acadêmica. E nós leitores ganhamos uma obra de leitura agradável, que vai muito além de uma mera exploração de estereótipos do povo inglês, mas que se revela como um verdadeiro manual para compreender os ingleses e a Inglaterra.
Já no primeiro capítulo do livro, ao abordarem a questão Quem são os ingleses?, os autores tratam do perigo de se caracterizar um povo, no caso composto por 64 milhões de pessoas, com alguns atributos que descreveriam o chamado “caráter inglês”. E curiosamente afirmam: “Quase todos os traços atribuídos por alguém ao inglês já foram criticados por outros como sendo apenas mito”.
No segundo capítulo do livro, os autores partem de uma descrição das regiões do Reino Unido para depois distinguirem as diversas “inglesidades”, que se manifestam nas diferenças geográficas, sociais, étnicas, de idade e de gênero do povo inglês. Há uma interessante seção dedicada ao papel das mulheres na construção da sociedade inglesa atual, lembrando das origens do movimento feminista inglês (e suas repercussões no Brasil) e o papel da mulher na vida pública, na política e na família. A imigração também é tratada neste capítulo, juntamente com as grandes questões sobre assimilação, integração e multiculturalismo em debate constante no país.
O terceiro capítulo nos mostra o funcionamento do país e suas principais instituições, tanto nacionais como regionais. O sistema político vigente, o papel do parlamento e da monarca, o funcionalismo público e suas especificidades são tratados juntamente com outras instituições que são menos conhecidas dos brasileiros: o Serviço Nacional de Saúde (NHS), a polícia inglesa, as universidades e até mesmo a emissora pública de radio e televisão, a BBC. Entre as chamadas semi-instituições estão incluídas a City of London – centro financeiro britânico – hoteis e lojas tradicionais de Londres, o idioma inglês, bem como os diversos rituais, oficiais e não oficiais, que incluem as festas e celebrações.
O capítulo seguinte, Modo de Vida e Valores discute a cultura, tanto material (comida, bebidas, vestuário, moradias, etc.) quanto imaterial (passatempos, atitudes e valores, o valor do silêncio…) dos ingleses. A paixão pela jardinagem e pela vida no campo tem destaque especial e quem tem qualquer ligação com um inglês (ou mais especificamente com uma inglesa) sabe como esse assunto é realmente levado a sério no país!
As artes são tema do quinto capítulo do livro, em que os autores indicam alguns trabalhos artísticos notáveis, que estão no coração dos ingleses, desde livros e canções a filmes, peças teatrais e projetos arquitetônicos. O sexto capítulo é uma rápida incursão na história da Inglaterra que se justifica porque, assim como outros povos, “os ingleses carregam sua história dentro de si”.
O Epílogo de Os Ingleses foi a parte do livro que mais me surpreendeu, pois traça comparações e contrastes entre o Brasil e a Inglaterra. Além das diferenças óbvias: tamanho, economia, clima, entre outras, os autores exploram as relações de mais de duzentos anos entre os dois países e as afinidades que, sim, temos. Achei especialmente interessante a característica tratada como espécie de “insularidade”: o fato de que os britânicos se referem à Europa sem se incluírem nela, da mesma forma que nós nos referimos à América Latina. Outra surpresa para mim foi quando declaram que os ingleses também têm a “crença” de que Deus é parte da sua riqueza nacional, expressada na frase: God is an Englishman (Deus é um inglês). E eu que não sabia disso?!
O livro termina com uma cronologia de fatos relevantes para os ingleses, que recua até o ano 1066 e com uma lista de sugestões de leitura, dividida em mais de trinta tópicos tratados nos capítulos antecedentes. Estou certa de que o livro será muito apreciado não somente por quem convive com ingleses, mas por todos que se interessam por este povo fascinante.
O lançamento de Os Ingleses será na Livraria da Vila (Al. Lorena, 1731, Jardim Paulista, São Paulo), no dia 30 de março, entre 18h30 e 22h00. O evento contará com a presença dos autores que farão uma breve apresentação do livro a partir de 19h00.
Se eu estivesse em São Paulo, não perderia de jeito nenhum!
Os Ingleses (Contexto, 416 pp., R$ 69,90).
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